sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Soneto do "Se"



Se amar é desejar que outra pessoa
(Ou animal, ou coisa) esteja bem,
Querer que, estando mal, já fique boa,
E, vendo-a sofrer, sofrer também,

E conversar sobre qualquer assunto,
Ou ler no olhar o que a boca não diz,
Querer que o outro venha e fique junto,
Mas, só por lembrar dele, estar feliz,

Então agora eu completo de vez
Esta paródia do poema inglês
E de nós dois posso dizer, enfim:

Nossa é a Terra com tudo o que há nela,
E, o que ainda é muito mais, oh! bela,
Posso dizer também: eu te amo, sim...

(mais ou menos à maneira de Kipling)
(Ayrton Mugnaini Jr.)

sábado, 24 de setembro de 2011

Quente



É garçom, não entendeu errado não. 
Um amor sem gelo, copo triplo, 
bem misturado, mas sem gelo!
Certas coisas prefiro quentes, o amor é uma delas.

(Caio Fernando de Abreu)

domingo, 7 de agosto de 2011

Cicatrizes



Amor que nunca cicatriza
Ao menos ameniza a dor
Que a vida não amenizou
Que a vida a dor domina
Arrasa e arruina
Depois passa por cima a dor
Em busca de outro amor

Acho que estou
Pedindo uma coisa normal
Felicidade é um bem natural
Uma, qualquer uma
Que pelo menos dure enquanto é carnaval
Apenas uma, qualquer uma
Não faça bem mas que também não faça mal

Meu coração precisa
Ao menos amenizar a dor
Que a vida não amenizou
Que a vida a dor domina
Arrasa e arruina
Depois passa por cima a dor
Em busca de outro amor.

(Cicatrizes - Miltinho/Paulo César Pinheiro)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Enredo



Tem um enredo nas nossas coisas, que eu não identifico, porque sempre emburreço quando, é você o tema. Olho, pela janela do apartamento, cuspo nos carros, sou um transgressor de gabinete, nenhuma teoria se verifica, quando é contigo. Acho que você me desgoverna e me impõe uma desobediência passional tamanha, que eu renuncio e me auto-mutilo em relação às minhas vontades.

Te encontrar nua me irrita, pois me livra de uma tarefa que me atribuo sempre. Não quero o som de Nana abafado pelos meus gritos, quero mais Piazzola e bandoneons à meia-luz. Não quero flores, quero odores, perfumes. As flores deixo para as fotografias.
Eu quero poder rir quando você errar a receita do bolo e fabricar um pastucci, que eu comerei com cara de tonto. Eu quero fingir que aquela poesia do Chico é minha e perceber na leitura dos teus hormônios o efeito. Eu quero ir embora, só prá você se por à frente e me chamar para ver a lua ou me mostrar no youtube, uma cantora nova que eu vou gostar muito. E eu, provavelmente gostarei pela indicação da tua voz. Que no cantarolar, já me convence.
Eu mapeei teu corpo e estou pronto para qualquer prova. Te conheço palmo a palmo ou por regiões, com toda e qualquer característica pagã. Eu, disse na terapia de grupo, que eu sei mais de você do que de mim, e propus abordar você prá distribuir minha tese.
O Amor dói, quando queremos tratar da longevidade, até porque ele existe para ser consumido até que se esgote ou se renove o tempo de validade. O que passar daí é costume.O que passar daí, é saudade, que ataca em hora errada e reacende o fogo com paixão.
Quando nós não formos mais que a nossa insanidade, o racional nos cobrará coisas que provavelmente,não daremos a mínima. Então, enquanto os parâmetros forem outros e o ridículo não estiver em questão, que tal de novo aquele som do Wando. E a letra a gente já canta de cor...
A lua nos reprime por querer decodificar seus encantos, em vez de aproveitar o luar, que é dos namorados. Ah, deixa a lua para os poetas, que o amor se estica até que o elástico do destino nos alcance e nos ponha cara-a-cara com a continuidade. Ou não.
(João Barboza)

sábado, 16 de julho de 2011

Fecha os olhos e confessa


Fecha os olhos e confessa que não consegue me esquecer nem quando está de olhos vendados. Eu tenho o direito de passear pelos teus olhos, roçar a pele dos teus lábios, provar o desenho da fibra da tua língua, sussurrar em teu ouvido. Eu invado e mesmo onde não me é permitido, entro.E me instalo. E quem quiser que reclame no sentimental, tenho todas as permissões assinadas pela tua pele. Na tua paixão, tem o meu olho em qualquer situação. Se quiser me submeter a exames, estou pronto.
(João Barboza)

sábado, 9 de julho de 2011

Edredom faz bem


A noite é fria, essa dama se deita
E se deleita envolta no edredom
Mesmo com frio lá fora fustigando
Ela transpira, tem um sonho bom,
Sonho daqueles de sonhar com anjo
Que toque banjo, baixo ou violão
E que a enleve e leve até a Lua
Arfante, nua e entregue de paixão
O Sol faz com que ela se recobre,
Deusa de cobre, estátua de prazer,
E acorde satisfeita e renascida
Ganhando vida e fazendo viver
O anjo que pensa em quando ela dorme
E se transforma e transpira também,
Saliva, arfa, pulsa e cai gemendo
Feliz, dizendo: “Edredom faz bem...”





(Ayrton Mugnaini Jr.)

domingo, 3 de julho de 2011

Feito pra acabar


Quem me diz
Da estrada que não cabe onde termina
Da luz que cega quando te ilumina
Da pergunta que emudece o coração
Quantas são
As dores e alegrias de uma vida
Jogadas na explosão de tantas vidas
Vezes tudo que não cabe no querer
Vai saber
Se olhando bem no rosto do impossível
O véu, o vento o alvo invisível
Se desvenda o que nos une ainda assim
A gente é feito pra acabar
A gente é feito pra dizer
Que sim
A gente é feito pra caber
No mar
E isso nunca vai ter fim


(José Miguel Wisnik/Marcelo Jeneci/Paulo Neves)

sábado, 2 de julho de 2011

Ninfa


Sou uma ninfa
estas ruas da cidade
ou jardins dos bairros
são estranhos para mim.
Vivo num mundo de sonhos
percorrendo bosques encantados
onde diáfanas e etéreas mulheres
entoam cânticos de amor
fascinadas pela emoção de amar!
Amar inconsequentemente
numa insensatez sem pecado!
E entre as flores
que formaram o buque
de imagens místicas
predominou de repente a liliácea!
A ela entoarei
minhas últimas preces para que se extasie,
infinitamente!

(Cassandra Rios)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Tento chegar do meu modo

E é porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando.
É porque sempre tento chegar pelo meu modo.
É porque ainda não sei ceder.
É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. (...)
É também porque eu me ofendo à toa.
É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade,
pois sou muito teimosa. (...)
Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes.
Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.
Talvez eu tenha que chamar de “mundo”
esse meu modo de ser um pouco de tudo.

(Clarice Lispector- Felicidade Clandestina)

domingo, 26 de junho de 2011

Meu mundo

O meu mundo não é como o dos outros,
quero demais, exijo demais;
há em mim uma sede de infinito,
uma angústia constante que eu nem mesma compreendo,
pois estou longe de ser uma pessimista;
sou antes uma exaltada, com uma alma intensa ...
uma alma que não se sente bem onde está,
que tem saudade… sei lá de quê!

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Foi pra Ti

Foto by Anita Kalikies


Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

(Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas")

domingo, 19 de junho de 2011

Pequenos Milagres


A gente nem percebe, mas pequenos milagres acontecem a toda hora.
O estímulo de uma palavra amiga, a cumplicidade de um sorriso, a sutileza de um gesto...
Essas são pequenas coisas que podem mudar o nosso dia.
E sem sentir, a gente também acaba fazendo milagres por aí também.
Sabe aquele conselho, aquele toque no amigo que precisa de ajuda?
Pois é, parece bobagem, mas a gente pode transformar o humor de alguém com um simples carinho.
E quantas vezes nós mesmos não experimentamos pequenos milagres?
O elogio inesperado de um colega no trabalho.
O telefonema do filho que está longe.
O resultado feliz de um exame de saúde.
O doce bom na sobremesa.
A folga pra ir à praia.
O caminho sem engarrafamento.
Pequenos milagres são porções de alegria
que a gente vai ganhando ou doando todos os dias.
São pedacinhos de cor que enfeitam a alma.
São trechos de música que acalmam o coração.
Por menores que sejam os resultados, por mais anônimos que sejam os sucessos...
Os pequenos milagres precisam existir
pra que a gente não esqueça nunca do milagre maior de estarmos vivos.

(Lena Gino)

sábado, 18 de junho de 2011

Liberdade


‎Que nada nos limite.
Que nada nos defina.
Que nada nos sujeite.
Que a liberdade seja a nossa própria substância.
Vivemos amores necessários e contingentes.
Embora o primeiro seja o caminho,
o repouso e o segundo vibração e êxtase;
ao louvar os amores necessários que tive,
não posso esquecer dos outros, que passaram na sombra,
mas que nunca deixaram de viver em mim.

(Simone de Beauvoir)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Não és os Outros


Não há de te salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos.
Não te salva a agonia ...
De Jesus ou de Sócrates
ou o forte Siddharta de ouro
que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca.
Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante Tempo.
E és cada solitário instante.

(Não és os Outros - Jorge Luis Borges, in "A Moeda de Ferro" Tradução de Fernando Pinto do Amaral)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Basta o essencial


Meu tempo tonou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa.
Quero viver ao lado de gente humana,
muito humana que sabe rir, amar sem julgar,
rir de seus tropeços, não se encantar com triunfos,
não se considerar eleita antes da hora,
não fugir de sua mortalidade.
Só há que caminhar de coisas e pessoas de verdade...
Para mim, basta o essencial.

(Mário Quintana)

domingo, 12 de junho de 2011

As Mensageiras



Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe!
Sinto tua alma Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que não me amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...

(Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas")

sábado, 11 de junho de 2011

Blues e Vinho!

O Amor


Quando encontrar alguém e esse alguém
fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos,
preste atenção:
pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento,
houver o mesmo brilho intenso entre eles,
fique alerta:
pode ser a pessoa que você está esperando
desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso,
se o beijo for apaixonante,
os olhos se encherem d’água neste momento,
perceba:
existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa,
se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração,
agradeça:
Deus te mandou um presente:
O Amor.
Por isso, preste atenção nos sinais não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego
para a melhor coisa da vida:
O AMOR!

(Carlos Drummond de Andrade)


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ser feliz de novo


‎Gaste seu amor.
Usufrua-o até o fim.
Enfrente os bons e os maus momentos,
passe por tudo que tiver que passar, não se economize.
Sinta todos os sabores que o amor tem,
desde o adocicado do início até o amargo do fim,
mas não saia da história na metade.
Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo,
fechando o próprio ciclo.
Isso é que libera a gente para ser feliz de novo.


(Martha Medeiros)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Confusão



Meu coração é teu coração?
Quem me reflexa pensamentos?
Quem me presta esta paixão sem raízes?
Por que muda meu traje de cores?
Tudo é encruzilhada!
Por que vês no céu tanta estrela?
Irmão, és tu ou sou eu?
E estas mãos tão frias são daquele?
Vejo-me pelos ocasos,
e um formigueiro de gente anda por meu coração.

(Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos' Tradução de Oscar Mendes)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Quantas almas tenho?


Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei
De tanto ser, só tenho alma
Quem tem alma não tem calma
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.


Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu
Sou minha própria paisagem
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.


Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.


(Fernando Pessoa)

terça-feira, 31 de maio de 2011

Tô de bem!


‎Tô me afastando de tudo que me atrasa, me engana, me segura e me retém.
Tô me aproximando de tudo que me faz completo, me faz feliz e que me quer bem.
Tô aproveitando tudo de bom que essa nossa vida tem.
Tô me dedicando de verdade pra agradar um outro alguém.
Tô trazendo pra perto de mim quem eu gosto e quem gosta de mim também.
Ultimamente eu só tô querendo ver o ‘bom’ que todo mundo tem.
Relaxa, respira, se irritar é bom pra quem?
Supera, suporta, entenda: isento de problemas eu não conheço ninguém.
Queira viver, viver melhor, viver sorrindo e até os cem.
Tô feliz, tô despreocupado, com a vida eu tô de bem.

(Caio F Abreu)

sábado, 28 de maio de 2011

A gente sempre volta!



Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar.
Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor até que venha a próxima, normais que somos.


(Martha Medeiros)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Em que espelho ficou minha face?



Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
... eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?

(Cecília Meireles)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Primeiro capítulo



Dessa vez não vou evitar dizer o que está na minha cabeça só porque eu sei que minha mente geminiana vai negar no dia seguinte, não fugirei de palavras bonitas porque quem diz não é uma pessoa perfeita, não arrumarei mil defeitos pra brigar contra as novecentas e noventa e nove qualidades, não desviarei meus olhos por medo de ter minha mente lida, não sumirei por medo de desaparecer, não vou ferir por medo de machucar, não serei chata por medo de você me achar legal, não vou desistir antes de começar, não vou evitar minha excentricidade, não vou me anular por sentir demais e logo depois não sentir nada, não vou me esconder em personagens, não vou contar minha vida inteira em busca de ter realmente uma vida. Dessa vez não vou querer tudo de uma vez, porque sempre acabo ficando sem nada no final. Estou apostando minhas fichas em você e saiba que eu não sou de fazer isso. Mas estou neste momento frágil que não quer acabar. Fiquei menos cafajeste, menos racional, menos eu. E estou aproveitando pra tentar levar algo adiante. Relacionamentos que não saem da primeira página já me esgotaram, decorei o prólogo e estou pronta pro primeiro capítulo.

(Caio F Abreu)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Exausto



Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhara leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vidafoi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.


(Adélia Prado)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Poetas Velhos

Foto Blog Paulo Leminski



Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.
Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.



(Paulo Leminski)

quinta-feira, 12 de maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Som



Nenhum som me importa afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.

(Vladimir Maiakóvski)

sábado, 7 de maio de 2011

Anais Nin


Um homem jamais pode entender o tipo de solidão que uma mulher experimenta. Um homem se deita sobre o útero da mulher apenas para se fortalecer, ele se nutre desta fusão, se ergue e vai ao mundo, a seu trabalho, a sua batalha, sua arte.
Ele não é solitário.
Ele é ocupado.
A memória de nadar no líquido aminótico lhe dá energia, completude.
A mulher pode ser ocupada também, mas ela se sente vazia.
Sensualidade para ela não é apenas uma onda de prazer em que ela se banhou, uma carga elétrica de prazer no contato com outra.
Quando o homem se deita sobre o útero dela, ela é preenchida, cada ato de amor, ter o homem dentro dela, um ato de nascer e renascer, carregar uma criança e carregar um homem.
Toda vez que o homem deita em seu útero se renova no desejo de agir, de ser.
Mas para uma mulher, o climax não é o nascimento, mas o momento em que o homem descansa dentro dela.

(Anais Nin)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A carne é triste



A carne é triste depois da felação
Depois do sessenta e nove a carne é triste.
É areia, o prazer?
Não há mais nada
Após esse tremor?
Só esperar
Outra convulsão, outro prazer
tão fundo na aparência
mas tão rasona eletricidade do minuto?
Já dilui o orgasmo na lembrança
E gosma
escorre lentamente de tua vida.

(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

John Lee Hooker, Stevie Ray Vaughan, Robert Cray, Roy Rogers — Boogie Ja...




Música me cura de tudo ... algumas partes de mim ... somente o Blues!

terça-feira, 3 de maio de 2011

Desejos


Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo.
E que descanso me dás
Depois das lidas.
Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

(Hilda Hist)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Infinito


Tô perdido por alguém
Não consigo ver nada além
Do que eu digo nada sei
Compreender o amor
Não é de hoje
Já vai longe
E nem sinal
Hoje
Estou longe
Preso a você
Livre na prisão
Sem castigo
Faz chorar
Distraído rói devagar
É pedindo que Deus dá
Por falar no amor
Acho que vou buscar
Viver por você
Ou me acabar
Quem mandou me acorrentar
Fazer-me refém
Nas grades do amor
Te vejo lá no luar
Te espero lá do sol.

(Djavan)

domingo, 1 de maio de 2011

Cólera




Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio.
Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco.


(Memórias de Minhas Putas Tristes - Gabriel García Márquez)

sábado, 30 de abril de 2011

Valsa para Leila




Tu te estufará...
me neblinarei sobre os telhados, galáxia azuis.
Sonambularás, te voltarei gatos lambendo as estrelas...
Wendy e Peter Pan
sem o amanhã, nunca para nós dois, é sempre cedo.
Marietarás e eu Buarquirei em dois cavalos com asas de luz.
Tu te nublarás, me eclipsarei... nuvens em nossa cabeça.
Toma, Peter Pan, só um Lexotan pra que tanto amor não te enlouqueça.
Vagalumarás por você sobre campo o campo,
eu virei do mar, teu pirilampo...
Como um circo aceso, o céu da manhã saudará o amor que não dormir.
Tu desabará... eu despencarei... e o amor azul vai nos cobrir.

(Aldir Blanc/Guinga)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

E se tivesse ficado?



Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente?
Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais - por que ir em frente?
Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia – qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê.
Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.

(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Noite e Dia


Nos lençóis da cama, bela manhã
No jeito de acordar
A pele branca, gata garota
No peito a ronronar
Seu fingir dormindo, lindo
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar
Você esta me convidando
Menina quer brincar...
No escuro do quarto, bela na noite
Nas ondas do luar
Seus olhos negros, pantera nua
Vem me hipnotizar
Eu olho sorrindo, lindo!
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar
Você está me convidando
Menina quer brincar...
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar
Você esta me convidando
Menina quer brincar...

(Lobão/Julio Barroso)

John Lee Hooker: Boom Boom

Novo Novelo



Não me culpe por coisas passadas
Não reabra essas velhas feridas
Porque nas cicatrizes fechadas
Existem guardadas dezenas de vidas
Não condene essas fases erradas

E não lembre as antigas fraquezas
Que das recordações apagadas
As mais atiçadas são de novo acesas
Não me queira mudar as passadas

Não procure afastar-me das ruas
Porque na confusão das calçadas
Existem ciladas maiores que as tuas
Não receie por causas deixadas

Não se iluda com o seu pesadelo
Porque a vida no fim das estradas
Começa as meadas de um novo novelo


(Sueli Costa/Paulo César Pinheiro)

sábado, 23 de abril de 2011

Jobim ... Falando de Amor




Se eu pudesse por um dia
Esse amor, essa alegria
Eu te juro, te daria
Se pudesse esse amor todo dia
Chega perto, vem sem medo
Chega mais meu coração
Vem ouvir esse segredo
Escondido num choro canção
Se soubesses como eu gosto
Do teu cheiro, teu jeito de flor
Não negavas um beijinho
A quem anda perdido de amor
Chora flauta, chora pinho
Choro eu o teu cantor
Chora manso, bem baixinho
Nesse choro falando de amor

Quando passas, tão bonita
Nessa rua banhada de sol
Minha alma segue aflita
E eu me esqueço até do futebol
Vem depressa, vem sem medo
Foi pra ti meu coração
Que eu guardei esse segredo
Escondido num choro canção
Lá no fundo do meu coração


(Antonio Carlos Jobim)


domingo, 27 de fevereiro de 2011

Desafinados

Foto Harica Oren



Eu queria o dia
Para ver os olhos da amada
Eu queria poesia
Para ver a música nascida com o tempo
Eu queria um alento arredio
Que me embrulhasse a candura
Do cio
Na seu calibre de navio
Na sua sustança de pavio
Que monta guarda no paiol.
Eu queria o amor embrulhado na paixão
Com seus rigores de sol.
Eu queria a noite
Com seus mares de açoite
Desafinados em si bemol.


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

100 anos de Noel Rosa

Foto site entrelinhas



O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia

(Filosofia - Noel Rosa)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Flores de Amsterdã


Foto John Land



As mulheres mais lindas do mundo
E eu lembrando da minha
Como pode um amor ir mais fundo no meu coração?
Quanto mais uma loura me olhava
Eu mais, minha neguinha,
Te lembrava e dizia "D'ocê eu num largo mais não"
Mais levava tua foto apertada em meu peito praieiroMais inteiro me via e pra Santa fazia oração
Que quem guia, guiasse

Quem reza, rezasse
Quem fala, falasse
Ou cantasse com a voz cirandeira
Que quem toca, tocasse

Quem chora, chorasse
Quem cala, calasse
E ouvisse e eu soubesse alemão
Que um xodó lindo assim como o nosso

Fosse a vida inteira
Fosse além desse mundo de barro
Cabasse mais não
Crie filhos e forças e rumos

Parasse mais não
Fosse além desse mundo de barro
Quebrasse mais não
Flores de Amsterdã

Beijos de hortelã
Para minha neguinha
Tarde, noite e manhã
Corpo e mente sã
Para minha neguinha

(Lui Coimbra)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Amando Loucamente

Tela Amadeo Modigliani



Andei amando loucamente, como há muito tempo não acontecia. De repente a coisa começou a desacontecer. Bebi, chorei, ouvi Maria Bethânia, fumei demais, tive insônia e excesso de sono, falta de apetite e apetite em excesso, vaguei pelas madrugadas, escrevi poemas (juro). Agora está passando: um band-aid no coração, um sorriso nos lábios e tudo bem. Ou: que se há de fazer.


(Caio Fernando Abreu)

sábado, 18 de setembro de 2010

Aflição




Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

(Hilda Hilst)

sábado, 11 de setembro de 2010

Vida dentro de nós

Foto: Baldomero Coelho

Esta alma, ou vida dentro de nós, sem opção concorda com a vida exterior.
Se alguém tiver a coragem de perguntá-la o que pensa, ela está sempre dizendo exatamente o oposto do que as outras pessoas dizem.


(Virginia Woolf)

sábado, 4 de setembro de 2010

Valsa das Primaveras (Lavalse de Lilas)



Não se perde a vida assim como você
Que não procura ao menos esquecer
E fica só sem mais pra o que viver
E um pouco pranto
Só por essas poucas páginas de dor
Você fechou o livro do amor
Se deu à morte e desacreditou
Mas enquanto houver a primavera e o amor
Não morrerá, não morrerá essa flor
Que enfeita o peito em festa dos que se amam
Veste a primavera, a primavera e vem
Fazer o amor, colher o amor também
Há quem procura, te procura e quer
Abrir em flor teu corpo de mulher

(Eddie Marnay /Michel Legrand /Eddie Barclay - versão: Taiguara)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Planet Copacabana

Praia de Copacabana


O pó ta acabando e a princesinha quer mais
Aqui nesse planeta bem pertinho do mar
Nasci, e me criei e aprendi a me virar
Logo cedo percebi que não dava pra aturar
Mãe viúva, cinco irmãos e um padrasto a me secar
E, de repente, olhando de relance para a rua
Não me pareceu que a noite fosse tão escura
E, pensando bem, melhor seguir outro caminho
Se eu ficar o bicho come no meu próprio ninho.
Eu sou do Planet Copacabana, ah
E a princesinha do mar tá fazendo a maior grana
Na beira da praia, bem junto ao céu
Só falta descolar outro cliente e um papel
Eu sou do Planet Copacabana, ah
E pra você eu to fazendo a 80 essa semana
16 aninhos de puro prazer!
Eu faço de um tudo, o que é que vai querer?
Copacabana
Aqui no Planet, no Planet Copacabana
Copacabana ...
Aqui nesse planeta bem pertinho do mar
Ainda sobra muito tempo pra gente sonhar
Qualquer dia, num programa, ainda vou encontrar
Um gringo cheio do "din-din" que vai, por mim, se apaixonar
Me levar pro seu país e, comigo, se casar
Vou ter um filho de olho azul e muito "money" pra gastar
Ou então fazendo a vida, vou juntar meu pé-de-meia
Pra poder me aposentar quando eu 'tiver mais velha e feia!
Eu sou do Planet Copacabana, ah
E a princesinha do mar tá fazendo a maior grana
a beira da praia, bem junto ao céu
Só falta descolar outro cliente e um papel
Eu sou do Planet Copacabana, ah
E pra você eu to fazendo a 50 essa semana
22 aninhos de puro prazer!
Eu faço de um tudo, pra poder viver!
Copacabana
Aqui no Planet, no Planet Copacabana
Copacabana...
Mas aqui nesse planeta bem pertinho do mar
A maré não ta pra peixe, já não dá pra faturar
To com "28" e já to meio caída
E o dinheiro não ta dando pra pagar a cocaína
Moro numa vaga, já há 12 anos
Mas viciada não consigo juntar nada do que eu ganho
O carro já não pára, tem em cada esquina
Uma garota de 14 que é a nova princesinha
De Copacabana
Aqui no Planet, no Planet Copacabana, ah
De Copacabana ...
E a princesinha do mar tá fazendo a maior grana
Na beira da praia, bem junto ao céu
Só falta descolar outro cliente e um papel
Eu sou do Planet Copacabana, ah
E pra você eu to fazendo a 25 essa semana
Já não digo a minha idade, já não dou tanto prazer
Mas eu faço de um tudo pra sobreviver
Copacabana
Aqui no Planet, no Planet Copacabana...
(Bia Pontes)
Música do Filme Copacabana Direção Carla Camurati

sábado, 21 de agosto de 2010

Tempo de Travessia

Foto by Foguinho


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.

(Fernando Pessoa)